My Tiny Invisible World

Porque tudo aquilo que você faz nem sempre é tudo aquilo que você vê.

terça-feira, setembro 13, 2005

Manifesto Dekassegui

A palavra Dekassegui significa, em sua essência, "De"= Sair e "kassegui"= ganhar dinheiro (seria o equivalente a palavra "earning" em inglês).

Esta palavra era muito utilizada antigamente, antes da revolução Meiji, até mesmo depois, durante as épocas em que o Japão passava por dificuldades econômicas e era tomada, praticamente, por grandes latifúndios dominados por shoguns e tonos. Os plebes das famílias camponesas iam para as regiões mais civilizadas a fim de conseguir dinheiro. Posteriormente, o nômade voltava as suas terras para alimentar a família e abastecer o estoque para o violento inverno do hemisfério norte.É uma forma de sobrevivência. É uma versão polar do êxodo rural que observamos aqui no Brasil.


No Brasil esta palavra é comumente utilizada e está inclusa no novo dicionário Aurélio, tamanha popularidade do emprego deste termo:

Decasségui [Do jap.] Adj.2g.S.2g Diz-se de, ou estrangeiro, frequentemente descendente de japoneses que vai trabalhar no Japão.

E é isso. Não diferente dos Japoneses em época de dificuldades econômicas, os nossos japoneses também procuram alguma alternativa para sobreviver. Sem esperanças de estudos, sem destino no trabalho e sem perspectivas boas em terras tupiniquinhas, os nipo-brasileiros seguem rumo para a terra do sol nascente para ver se realmente conseguem vê-lo brilhar em seu rosto, se existe uma possibilidade de crescer na vida...

Como nada é de graça,lá, a luta é braba. Em nosso país, as pessoas fazem hora-extra porque o pagamento é garantido pela CLT. Lá, onde não existe uma luta proletária ou uma Consolidação das leis dos trabalhos como a nossa, a hora-extra é garantida pela ética profissional. Não existe CIPA, não existe CLT e não existe RH ou DP qualificado como das empresas brasileiras. Não existe adicional de insalubridade, de periculosidade ou incentivo. E nessas condições estão os nossos japoneses trabalhando árduamente. Milhas distante da família. Milhas de sua terra natal. Milhas distante do país onde todos falam sua língua materna...

A situação é semelhante a um estudante longe de casa em época de provas. Não dá para chorar na barra da saia da mãe. O ente querido não está por perto para dar carinho naquela hora. Não dá para beber aquele chopinho com os amigos de longa data. Não dá para telefonar para o melhor amigo para desabafar, porque o interurbano é caro. Não dá para sair porque não tem dinheiro. Não dá pra fazer nada porque senão não dá para passar naquela matéria difícil.

Entretanto, para o estudante, essa neurose é durante o periodo de um semestre. Logo depois vêm as férias e tudo está resolvido.

Para o Dekassegui, não existe primeiro ou segundo semestre. O primeiro semestre pode ser os 2 primeiros anos ou então os 10 primeiros anos longe de casa. Tudo depende da meta ambiciosa de cada aluno nesta matéria que garante a sua sobrevivência.

Chegando o boletim de fim de ano, aquele alívio. Atingiu-se o objetivo com uma nota 10 na caderneta de poupança ou mesmo um 7. O que importa que agora é hora de partir para outro passo: Conseguir uma vida decente no Brasil.

Depois de tanto tempo e tanto dinheiro guardado, eles descobrem que existe um bando de monstros a solta a fim de destruir os sonhos dos nossos nipo-patriotas.

Estou inventando? Talvez sim. Mas os fatos não negam:

- Meu primo: Assaltado 3 vezes a mão armada depois que veio do Japão. Não contente em levar tudo o que ele trouxe, vieram buscar depois o que ele tinha conseguido aqui. Foi coagido a morar em um lugar menos violento.

- Meu vizinho 1: Retorando para sua casa depois da longa viagem em volta ao mundo, a surpresa: Um carro e alguns homens armados o esperavam na porta de casa para levar tudo o que ele trouxe.

- Minha vizinha 1: Depois de 3 anos em terras brasileiras, estranhei porque a família dela não vinha para o jantar de aniversário do meu pai. Isso fica meio óbvio assim que você descobre que 3 homens assaltaram a casa, amarraram, lacraram as bocas e miraram uma pistola na cabeça de cada um. Dificilmente alguém vai poder nos avisar que houve um pequeno imprevisto e não poderá vir em casa.

- Meu vizinho 2: Levou um tiro na perna. Mas os assaltantes logo desistiram ao saber que se tratava de um japonês que não tinha ido ao Japão. Mas mesmo assim levaram uma grana da família.

- Meu amigo que mora perto de SP: Voltou do Japão sem um tostão porque foi passear. Comprou uma câmera digital e um aparelho de som. Só que estes bens viraram de uns assaltantes que pegaram ele na Rodovia Ayrton Senna.

- Jornal da minha cidade avisou que um casal de velhinhos foram espancados até a morte porque não tinham dinheiro para dar aos assaltantes.

E o mais devastador caso, que mereceu atenção de manchetes de jornais de circulação nacional:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u112963.shtml

Pois é. Difícil mesmo é ter cara de japonês nessas horas.

Os destruidores de sonhos orientais estão por aí. Soltos. Vagando como zumbis. Eles não têm sentimentos. Eles não têm compaixão. Eles não têm alma. Eles não são humanos.

Quem sabe eles não irão destruir os meus sonhos em breve? Quem sabe eles não vão me sugar a alma como dementadores de Harry Potter? Quem sabe eles irão jogar areia nos meus olhos e me levar para o mundo onde até a morte é alegre?

Quem sabe eles não te levam alguma coisa importante da sua vida, honorário amigo japa?